Sentia-me tonta, os olhos pareçiam embaciados... Decidi ir dar uma volta.
Ao entrar no elevador reparei ter-me esquecido das chaves, mas não dei importância. Dentro daquele pequeno cubículo a minha alma apesar de pequena e apertada estava protegida pelas quatro paredes de metal que me rodiavam.
Ao sair deparei-me com um céu límpido e de um azul extraordinário e começei a caminhar, mas mal deixei o corrimão das escadas do alpendre o Mundo à minha volta transformou-se. Grandes nuvens pretas cobriram o céu azul, os pássaros dexaram de cantar, apareçeram carros e epressões que me eram desconheçidas...
Foi nesta altura que ao ser assolada pelo medo começei a correr sem sequer me aperceber do caminho que mal pisava. E corri, fugi deste abismo ao qual chamamos cidade, a estas expressões, a estas opiniões que não paravam de gritar dentro da minha cabeça...
A certo ponto, já não pudendo mais correr, parei. Parei e aperebi-me que afinal já não havia pessoas por todo o lado, afinal já só ouvia o silêncio que a minha respiração entrecortada quebrava, afinal estava só, só e perdida!
Então acalmei a respiração, fechei os olhos e voltei a abri-los, a raiva a percorrer todo o meu corpo como o sangue nas minhas veias, olhei para cima e gritei. Gritei tão alto que as nuvens negras se racharam em explosões de luz e o chão tremeu de medo... Gritei e esperniei até que toda a raiva foi libertada nessa frágil atmosfera e me deixou exausta.
Ao enrolar-me em mim própria para acalmar a mente começo a aperceber-me que também o Mundo se acalma como se fosse o meu temperamento a controlá-lo.
Foi uma estranha sensação enebriante, um cheiro familiar que me guiou ao local de perfeição imaculada onde me sentei e adormeci calmamente. Descansei e sonhei com um mundo diferente, e ao acordar de novo no meu quarto sorri. Sorri porque não passara tudo de um sonho, sorri porque me vi livre, sorri porque ao abrir a janela o mundo continuava igual a si mesmo, imóvel, sorri porque a minha alma se abriu e cresceu, elevando-me ao ponto mais alto de si própria, sorri porque estou aqui, sorri porque sou, sorri porque sonhei.
Sim, sorri porque sonhei! Sou louca e sonhei. Sonhei mais alto, sonhei mais real, sonhei mais!
Sorri porque me senti tonta, saí à rua e o mundo estava calmo e colorido e então corri pela rua abaixo, despi-me de vergonha e assim, nua, entrei no meu mundo feliz.


"Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança." - António Gedeão, Pedra Filosofal in Movimento Perpétuo
1956
Às vezes penso, muito raramente mas penso. Penso e tento racionalizar as coisas que me vêm à cabeça. Faço um esforço por trazer à mente os pensamentos dolorosos, mas não só. Trago também os estúpidos, os díficeis de lembrar, os felizes, os que não entendo, os que odeio, os que mais gosto, os mas, os que me fazem chorar, etc...
E tento olhar para eles de maneira objectiva, sem dar opinião, sem dar solução, tento apenas vê-los.
No fundo, no fundo sei bem a razão pela qual tento racionalizar tudo à minha volta. É uma espécie de medo. Medo de cair, medo de acreditar, medo de mentiras, medo de maldades, medo de mim...
Faço isto talvez para me proteger da inocência que ainda permaneçe em mim, do olhar bondoso de criança com que ainda vejo o mundo, mas de todas as vezes que racionalizo algum pensamento ou sensação a conclusão é sempre a mesma: afinal a inocência é que me protege a mim! É desconheçer as verdadeiras razões que me faz mais feliz, por isso sempre que racionalizo caiu num abismo escuro e infinito de mentiras, maldades e traições ao qual não quero pertençer nunca!
E é por isso que me orgulho de dizer que sou criança, que não penso duas vezes, que faço com o coração e não com a cabeça e garanto que tiro o maior prazer de tudo o que faço!
Sou tão feliz assim, no meu mundo à parte, não destruam isso. Pelo menos não por inveja.